sábado, 5 de abril de 2014

Porque é preciso sonhar e desejar

"Nem só de pão vive o homem.   Ele vive, principalmente, de seu sonho.  O sonho é o pão da alma.  Nele está embutido o desejo, ou o medo do desejo ou as angústias causadas pelo desejo.  Deseja, também, é preciso.   Discriminar o seu desejo é poder sonhar.  A partir daí, é a principal condição para ter uma vida dentro da dignidade necessária de cada um.
Este é o processo absolutamente individual e solitário.   E "quem sabe sonhavas meu sonho..." é um desejo irrealizável.  A cada um, seu desejo.  A cada um, o seu sonho.  A cada um, sua dignidade de vida.
Além do fato de sermos mortais, esta é talvez a faceta mais trágica da condição humana: a singularidade da experiência.   Posso 'tentar' sentir o que o outro sente a partir do que senti, mas, isso é uma tentativa.  Mesmo no consultório com um cliente que esteja, por exemplo, há muitos anos fazendo análise várias vezes por semana, ou mesmo a mãe dedicada a seu filho várias horas por dia, pode sentir ou sonhar pelo outro.  Pode apoiar, sofrer com o outro, mas, jamais, pelo o outro.
Mas sonhar é preciso.   Nos dois sentidos; é preciso porque é necessário e é preciso porque 'precisa, torna preciso' nosso inconsciente, de forma plástica, artística, às vezes com cores, numa 'produção' plástica fruto de seu EU mais íntimo.   À noite, a cada 90 minutos, e, durante cerca de 20 minutos, temos nossos sonhos, mesmo se não nos lembramos deles.   Além dos que sonhamos acordados...
É difícil viajar a outros planetas.   Mais difícil é 'viajar' para dentro de nós mesmos, porque nos defendemos disso.  Porque queremos e tememos o acesso mais íntimo a nosso desejo e a nosso sonho.  Daí o perigo: pode vir uma adaptação, uma 'administração' para não se sofrer muito, para não se checar, enfim, para não mudar o que está 'constituído'.   E, a consequência, é o empobrecimento da qualidade de vida.  Individual e coletiva.
Esta visão do sonho como produto e nosso próprio inconsciente veio a partir de Freud.   Até aí, era uma 'mensagem do Deus'.   Mas, é uma mensagem e de desconhecimento muito poderoso.  Assim, já havia uma 'intuição':  é uma mensagem que escapa ao nosso mundo, visto como um mundo consciente.  É algo mais forte, mais contundente.  Esta foi uma grande virada para o conhecimento de nosso percurso, de nossa viagem,  "A César o que é de Cesar, a Deus o que é de Deus'.
O sonho é nosso.  Se tivermos uma visão religiosa, podemos ver Deus se servindo do que quiser, até dos sonhos.  Mas, o sonho nosso de cada dia vem do nosso inconsciente.
Mas, se sonhar é preciso, tentar concretizar nossos sonhos é fundamental.   Se nos frustamos além do suportável, abandonamos nossos sonhos ou os substituímos.
O processo de discriminar o sonho da realidade vem com a maturidade.  A criança tem mais dificuldades nisso.
O adulto é o que sonha, sem delirar.  Isto é, sabendo que o sonho é sonho e realidade, realidade.  É a história "treino é treino, jogo é jogo".  Ou, prévia é prévia, eleição é eleição".
Sonhar é ter os pés no chão, é o grande desafio de nossa existência.  Aquele que só tem pés no chão e não sonha, é limitado, pobre, e o que sonha sem ter os pés no chão, delira, enlouquece."
(Marlene Nasser - Doutora em Psicologia)


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