"Nem só de pão vive o homem. Ele vive, principalmente, de seu sonho. O sonho é o pão da alma. Nele está embutido o desejo, ou o medo do desejo ou as angústias causadas pelo desejo. Deseja, também, é preciso. Discriminar o seu desejo é poder sonhar. A partir daí, é a principal condição para ter uma vida dentro da dignidade necessária de cada um.
Este é o processo absolutamente individual e solitário. E "quem sabe sonhavas meu sonho..." é um desejo irrealizável. A cada um, seu desejo. A cada um, o seu sonho. A cada um, sua dignidade de vida.
Além do fato de sermos mortais, esta é talvez a faceta mais trágica da condição humana: a singularidade da experiência. Posso 'tentar' sentir o que o outro sente a partir do que senti, mas, isso é uma tentativa. Mesmo no consultório com um cliente que esteja, por exemplo, há muitos anos fazendo análise várias vezes por semana, ou mesmo a mãe dedicada a seu filho várias horas por dia, pode sentir ou sonhar pelo outro. Pode apoiar, sofrer com o outro, mas, jamais, pelo o outro.
Mas sonhar é preciso. Nos dois sentidos; é preciso porque é necessário e é preciso porque 'precisa, torna preciso' nosso inconsciente, de forma plástica, artística, às vezes com cores, numa 'produção' plástica fruto de seu EU mais íntimo. À noite, a cada 90 minutos, e, durante cerca de 20 minutos, temos nossos sonhos, mesmo se não nos lembramos deles. Além dos que sonhamos acordados...
É difícil viajar a outros planetas. Mais difícil é 'viajar' para dentro de nós mesmos, porque nos defendemos disso. Porque queremos e tememos o acesso mais íntimo a nosso desejo e a nosso sonho. Daí o perigo: pode vir uma adaptação, uma 'administração' para não se sofrer muito, para não se checar, enfim, para não mudar o que está 'constituído'. E, a consequência, é o empobrecimento da qualidade de vida. Individual e coletiva.
Esta visão do sonho como produto e nosso próprio inconsciente veio a partir de Freud. Até aí, era uma 'mensagem do Deus'. Mas, é uma mensagem e de desconhecimento muito poderoso. Assim, já havia uma 'intuição': é uma mensagem que escapa ao nosso mundo, visto como um mundo consciente. É algo mais forte, mais contundente. Esta foi uma grande virada para o conhecimento de nosso percurso, de nossa viagem, "A César o que é de Cesar, a Deus o que é de Deus'.
O sonho é nosso. Se tivermos uma visão religiosa, podemos ver Deus se servindo do que quiser, até dos sonhos. Mas, o sonho nosso de cada dia vem do nosso inconsciente.
Mas, se sonhar é preciso, tentar concretizar nossos sonhos é fundamental. Se nos frustamos além do suportável, abandonamos nossos sonhos ou os substituímos.
O processo de discriminar o sonho da realidade vem com a maturidade. A criança tem mais dificuldades nisso.
O adulto é o que sonha, sem delirar. Isto é, sabendo que o sonho é sonho e realidade, realidade. É a história "treino é treino, jogo é jogo". Ou, prévia é prévia, eleição é eleição".
Sonhar é ter os pés no chão, é o grande desafio de nossa existência. Aquele que só tem pés no chão e não sonha, é limitado, pobre, e o que sonha sem ter os pés no chão, delira, enlouquece."
(Marlene Nasser - Doutora em Psicologia)