A parede que na sua casa é cor de marfim, na do vizinho está pintada de vermelho, o que muda a atmosfera do ambiente, faz com que pareça menor. Você, que adora plantas e coleciona bugigangas trazidas de viagens, entra cautelosa naquele apartamento gêmeo ao seu, porém totalmente despojado de humanidade, mais parece um show room.
Onde você tem um aparador lotado de porta-retratos, o vizinho colocou um espelho do teto ao chão. Você deixa um sofá branco e confortável virado em direção à sacada, enquanto seu vizinho têm duas chaise longue de aço cromado e couro preto que ficam paralelas uma a outra, voltadas para uma parede onde ele possui uma televisão do tamanho de um aquário do Sea World.
Ao entrar na cozinha dele, imagina que está dentro de uma nave espacial, tudo é cinza chumbo e imaculadamente limpo, enquanto sua cozinha tem uma fruteira de papel machê trazida da Bahia e armários de madeira.
O lavabo dele é revestido com um papel de parede austero e elegante, o seu se manteve como a construtora entregou, com azulejos sem graça, e você nem trocou a torneira original, simplesinha – a dele deve ter sido transplantada de algum castelo francês, é um colosso. Se você tivesse um lavabo igual, é lá que receberia as visitas. Aí você lembra que tem um igual, só que o seu parece um banheiro de rodoviária.
Apartamento de vizinho causa desconforto porque inevitavelmente será mais bem cuidado ou mais desleixado que o seu, mais escuro ou mais claro, mais atraente ou mais insosso. A disposição dos móveis parece incorreta, tudo sugere uma grande transgressão, e você não se sente acolhido, tem vontade de sair correndo daquele lugar que foi concebido de um jeito estranho a fim de confrontar você. É isso. O apartamento do vizinho lembra que há outras formas de viver, enquanto você julgava que só havia uma: a sua.
Cada um de nós concebe a vida de uma determinada forma, decora a seu modo os dias e noites, colore suas paixões com suavidade ou desespero, dá um revestimento aos seus traumas ou os deixa a nu, expõe suas esquisitices ou as joga para baixo do tapete.
Cada um de nós recebe o mesmo espaço para existir e o arranja, inventa, traduz, transforma e recria de acordo com uma identidade que será sempre única, particular. Quando você tiver um ataque de petulância e achar que só o seu jeito de viver é que é certo, dê um pulo no apartamento do vizinho. E assombre-se com a quantidade de novos mundos que existem nas portas ao lado.
(Autor: Martha Medeiros)
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